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Diário de um passageiro – rumo a Teresina, perigosamente perto de Timon

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A série abrange as viagens do repórter realizadas de 5/12 a 3/01.
Reproduzida no Congresso em Foco,  Correio do Brasil  e Opinião e Notícia 

Terceiro trecho

-> Brasília (JK) – Teresina  , dia 14 de dezembro, voo JJ3840, TAM , 9h58

Descobri na Wikipedia que o Piauí, com seus 251 mil quilômetros quadrados, é um pouco maior que o Reino Unido. Isso dá uma ideia do tamanho do espaço aéreo brasileiro, principalmente levando-se em conta que o estado não está entre os cinco maiores do Brasil em tamanho. Pois a primeira dúvida que tive ao reservar a passagem para Teresina, a capital, era saber se o avião pousaria mesmo no Piauí ou no Maranhão. Há dois meses um comandante teve a proeza de errar o aeroporto de destino e aterrissar em Timon, no estado maranhense, a cidade vizinha de Teresina, irmãs siamesas do sertão separadas apenas pela largura do belo rio Parnaíba (se eu estivesse a bordo, preferiria atravessar a ponte a pé ou rio a nado a decolar de novo).

Pelo Google Maps, percebe-se que Teresina é colada em Timon. Mas os aeroportos são bem afastados um do outro

Teresina é encravada no Norte do Piauí, um estado que além do nome diferente carrega uma riquíssima cultura popular – o folclore piauiense é latente no orgulho de seus cidadãos. Se o comandante de meu voo por acaso errasse nosso destino e descesse na cidade de Amarante, eu visitaria o túmulo da Santa Finada Auta. Era uma prostituta famosa na cidade que foi enterrada fora do cemitério. Isso. Há um cemitério murado. Do lado de fora, o túmulo da excluída, a sociedade não a deixou perfilar-se entre os outros benquistos cidadãos amarantenses. Provou-se para o mundo, em Amarante, que uma prostituta é rejeitada até debaixo da terra. Para quem duvida, é só perguntar para o deputado estadual Homero Castelo Branco, devoto dela.

Se o avião pousasse em Oeiras, conferiria um folclore que ronda a cidade: os moradores do município com o maior número de deficientes mentais (proporcionalmente) do país têm a tradição de, ao casarem e construírem suas casas, reservar um quarto no fundo do lar para um futuro filho “doidinho”. Se desembarcasse em São Gonçalo, tentaria contar o número de motos por metro quadrado ou todas num intervalo de tempo numa rua. É a cidade com a maior quantidade de motocicletas do Brasil.

E se o piloto errasse mais um pouco, rumo ao Norte, conheceria em Esperantina a prostituta mais famosa do estado, a Mundoca. Lembro de tê-la entrevistado pelo telefone em 2001: 67 anos, 5 mil homens e 31 filhos (isso em 2001. Juram que ela se aposentou). (Com exceção de Mundoca, as outras histórias foram cortesia do repórter Luciano Coelho, do Diário do Povo, em Teresina).

Fato é que desci em Teresina, cidade cuja temperatura média anual não baixa de 27º C e passa fácil dos 35ºC no verão. Minha odisseia de sete dias seguidos em vários aeroportos começou por ali. Mas a aventura começou antes, ainda em Brasília, no Aeroporto JK. A TAM me presenteou com um overbooking (prática corriqueira nas companhias, quando o cidadão sobra, mesmo com passagem comprada, porque a empresa vendeu mais bilhetes que assentos).

Desembarque em Teresina. Haja fôlego e pernas
Reposição de bagagem. Um esteira e muita ansiedade

Cobrei explicações de um atendente. Resumiu-se em dizer que eu estava “em espera”. Isso tudo porque eu reservei a passagem um mês antes pelo programa de milhagem. Antes que ele me sugerisse o bagageiro do Airbus, exigi o meu assento reservado, com ameaça de processo contra a companhia. Milagrosamente um assento surgiu. (A dica que dou ao passageiro amigo nestas ocasiões em que se enquadra “em espera” é que você espere, de pé, na frente do(a) atendente, que ele(a) vai achar o seu assento).

Uma vez em Teresina, notei o descaso da Infraero com o passageiro. Não há fingers para o desembarque, ou qualquer conexão do avião com o terminal. Anda-se livremente pela pista num espaço de uns 20 metros até o saguão de desembarque. Se um louco suicida invadir a pista, o piloto que se vire para salvar um avião lotado em processo de pouso ou decolagem. (Há outros aeroportos em que se anda pela pista).

O saguão em Teresina: pequeno e com sanitários em obra

Dali, outra aventura. Achar a sua mala numa única esteira na sala apertada, sem vazão de ar condicionado, onde os 150 de um Airbus parecem uma multidão comprimida e ansiosa para fugir. E apesar do nome grande e pomposo – Aeroporto Internacional de Parnaíba – Prefeito Dr. João Silva Filho – o terminal é pequeno e apertado, parece uma rodoviária mal cuidada. Os toillets no saguão de check in estavam em obra, o cidadão só entrava no sanitário masculino passando debaixo de uma escada, de poeira e do sujeito com a furadeira em ação.

Puxei papo com um engraxate boa praça que trabalha em frente à minúscula banca de jornal no terminal. A exemplo de taxistas, creiam, engraxates sabem de tudo. Ele até conhecia o editor do jornal que eu visitaria. Não que Teresina seja pequena para todos se encontrarem, mas descobri que ele é fã da coluna do citado, e foi direto ao caderno de Política assim que deixei o exemplar com ele. Gostei da cena. Engraxate é culto. Eu levei o caderno de Esportes.

Fiquei três horas em Teresina, o suficiente para minha reunião. No retorno ao aeroporto, conheci o segundo pavimento. A Infraero aproveitou parte do espaço para distribuir cadeiras, e a outra para dois restaurantes pequenos, onde almocei. Se sobra camaradagem em uns, falta instrução a outros. Os funcionários da estatal não souberam me informar onde havia tomada para conectar a fonte de meu netbook (acreditem, em todo o pavimento só encontrei uma). E ficou por isso mesmo. Ninguém saiu da sala para mostrar se havia um.

Mirante no 2º pavimento. A turma se aglomera para matar saudade

Ainda no pavimento superior , em frente aos restaurantes, também há um mirante para a pista. Que fica lotado, vejam a foto. Os piauienses adoram uma despedida, ou chegada. Da pista, os conterrâneos que desembarcam acenam para o mirante – e quem não tem quem cumprimentar, manda um olá para o pobre coitado do funcionário da BR Aviation que reabastece os aviões (veja a foto), postado inerte com o tédio peculiar à cena de seu posto de trabalho.

No pátio, o tédio de cada dia. E ponto.

O setor do embarque é outra sala de lamúrias discretas e ocultas – vê-se pelo semblante dos passageiros. O cidadão é obrigado a passar por uma porta apertada, onde apenas um segurança controla o circuito. Lá dentro, pouquíssimos assentos fazem a maioria ficar de pé, encostados nas paredes ou pilastras. E, no embarque, mais andança no pátio. A sala de embarque, no entanto , vai crescer, provam as obras: vigas de aço já compõem o cenário externo, um “puxado” que avança para o pátio, aquele tipo de construção que se vê em outros aeroportos: em vez de base sólida e duradoura com concreto e ampliação do terminal para valer, as empreiteiras usam aço, gesso e madeirite em cantos localizados. Para disfarçar o improviso, fixam um mármore brilhante no piso e instalam poltronas novas.

Sala de embarque: lotada e com poucos assentos
"Corredor" improvisado no embarque, entre terminal e futuro puxadinho

Os piauienses, tão calorosos e alegres, não merecem o aeroporto que têm.

Na decolagem, lembrei-me de Oeiras, Amarante, São Gonçalo, Esperantina, e tudo o que infelizmente não vi. Depois que Teresina sumiu da vista, tive certeza de que a Timon maranhense também ficara para trás, e o piloto não erraria nosso aeroporto de destino, o Aeroporto Internacional Marechal Cunha Machado, em São Luís (MA), alvo da próxima reportagem.

Leia nos links abaixo a primeira e a segunda reportagem da série

2 comentários em “Diário de um passageiro – rumo a Teresina, perigosamente perto de Timon”

  1. Deveria ter conhecido Timon, apenas 600 metros distante de Teresina, por certo levaria muita história pra contar e faria grandes amizades, o povo daqui é muito hospitaleiro.

    Na próxima vez faça contato, se descer no aeroporto de Timon, te levo de moto a Teresina….

    Abração e sucesso na viagem.

  2. Leandro,
    Parabéns pela disposição de realmente ir em “loco” e fazer a reportagem. Quem dera os nossos governantes, responsáveis pelo setor, fizessem o mesmo. O pior é que, se(?) o passageiro procurar o órgão responsável para fazer a reclamação – a ANAC, vai encontrar (se encontrar) funcionários terceirizados. Recepcionistas sem nenhum tipo de informação e treinamento. Questão de custos… e assim vai a nossa aviação. Vamos rezar e pedir a Santa Finada Auta que nos ajude.

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