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Opinião: A retomada das relações França-Brasil e a ameaça do Projeto de Lei 5230/2023

Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
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Ana Fábia R. de O. Ferraz Martins*

Aqueles que conhecem um pouco da minha trajetória sabem que sou uma apaixonada pela França, pela língua francesa, sua cultura, ideais, pelos valores da República e pela diversidade de sua sociedade. Além da suprema importância atribuída à educação pública e de qualidade como um dos pilares da República.

O Brasil é destinatário de um grande número de acordos, intercâmbios e convênios entre universidades brasileiras e francesas para oferecer cursos em todos os níveis. É a diplomacia de influência por meio da oferta universal de educação pública e de qualidade.

Além disso, a Fundação Aliança Francesa para o ensino e difusão da língua francesa está presente no Brasil há mais de 126 anos.

A jovem advogada francesa especialista em Direito Público, Margot Caffarel, escreveu um artigo (https://www.placedudroit.com/gazette-droit/droit-leducation/) sobre a importância do direito à educação, sintetizando: “A educação é um elemento essencial do desenvolvimento econômico dos países e tem um efeito virtuoso em outros setores. O direito à educação inclui direitos e liberdades, como o direito à educação gratuita e obrigatória.”

Como franco-brasileira e representante eleita da comunidade francesa do Sul do Brasil, Mato Grosso do Sul e São Paulo (Conseillère des Français de L´Étranger – 3ème Circonscription), defendi desde minha campanha eleitoral como fundamental a educação plurilinguística, por meio da facilitação do aprendizado do francês para os binacionais residentes no Brasil e que não falam francês, seja por desinteresse ou por ausência de condições financeiras.

Também advogo entusiasticamente para promover o francês como segunda língua para todos os brasileiros, pois as empresas francesas estão entre os maiores investidores e empregadores do Brasil, podendo certamente se beneficiar de mão de obra com esta qualificação específica.

A francofonia é um dos principais focos de cooperação, pois o conhecimento da língua francesa pode ser visto também como um grande fator de empregabilidade em muitos setores econômicos, exercendo um papel importantíssimo no desenvolvimento e cooperação educacional, comercial, econômico e cultural. Dobrar o número de pessoas que falam francês no mundo até o ano de 2030 está entre os objetivos do atual governo da França.

Especialmente neste momento de fortalecimento da parceria estratégica, com a reaproximação entre Brasil e França e a (re)intensificação das relações em vários setores, o entusiasmo com a recente visita do Presidente Emmanuel Macron ao nosso país é a evidência dessa nova fase da diplomacia bilateral.

Porém, na contramão deste movimento, a expansão da língua francesa no país está na iminência de sofrer um revés. Uma ameaça silenciosa que avança tranquilamente no Congresso Nacional. Trata-se do Projeto de Lei 5.230/23, de iniciativa do Poder Executivo, que tramita em regime de urgência, encontrando-se atualmente no Senado Federal.

O PL 5.230 de 26 de outubro de 2023 altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), revoga as Leis nºs 14.818, de 16 de janeiro de 2024, 12.711, de 29 de agosto de 2012, e 11.096, de 13 de janeiro de 2005, a fim de definir novas diretrizes para o ensino médio.

A iniciativa visa em seu art. 35-A, § 2º, III, incluir a obrigatoriedade do ensino do espanhol como segunda língua, além do inglês. Esta alteração legislativa poderá representar um golpe duríssimo para o ensino e desenvolvimento do interesse não só pela língua francesa, mas também fará praticamente desaparecer no país o ensinamento dos demais idiomas.

No entanto, ao transformar o idioma espanhol em um componente impositivo da formação geral básica curricular, atua-se em detrimento do plurilinguismo e da liberdade de escolha do estudante e de sua família.

Por outro lado, em razão da localização geográfica do Brasil, cercado de países hispanófonos, a língua espanhola já desfruta da vantagem natural como a mais difundida e mais procurada por aqueles que trabalham, estudam ou circulam dentro do espaço Mercosul.

E não devemos esquecer as multiculturais Guyana, Suriname e a Guiana, destacando a França Ultramarina que, na divisa com o Amapá, transforma a Europa no caminho natural pela parceria centenária dos ideais republicanos.

Há muitas escolas e iniciativas para aprendizado do espanhol no país. Porém, não há o mesmo incentivo para o aprendizado da língua portuguesa, mesmo sendo o idioma falado por quase metade dos habitantes da América do Sul e entre os habitantes do bloco econômico do Cone Sul.

Atualmente, menos de 20% dos estudantes brasileiros, sejam da rede pública ou privada, têm acesso ao aprendizado de um segundo idioma. Deste percentual, 95% já se orientam naturalmente ao aprendizado do espanhol.

Um projeto de lei tornando obrigatória a língua espanhola terá efeitos deletérios, pois esvaziará a procura por outros idiomas, encerrará escolas e postos de trabalho no magistério, além de praticamente aniquilar as possibilidades de uma diversidade cultural de um ensino plurilíngue e mais diverso.

Com efeito, no ano em que ocorreu a primeira visita de um chefe de Estado francês ao país depois de 11 anos sem missões oficiais à América Latina, com a proximidade dos Jogos Olímpicos de Paris e das temporadas culturais conjuntas França-Brasil previstas para 2025, essa expressa renúncia ao plurilinguismo trazida pelo PL 5230/2023 envia sinais contraditórios e acaba por evidenciar uma indiferença, quiçá, um descaso pela tradição da fraterna e longeva relação entre Brasil e França.

Que a Câmara Alta da República, no exercício de seu poder revisor, atue com serenidade e sabedoria ao apreciar o Projeto de Lei 5.230/2023.

*Conseillère des Français de l´Étranger – 3ème Circonscription

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